O fardo da fama precoce
- Rafael Fernandez
- 22 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 26 de mai. de 2020
O sonho da maioria dos atletas é conquistar títulos, e com isso, ganhar fama e dinheiro. Em esportes tão prejudiciais à saúde, alcançar esses objetivos é algo muito gratificante. Mas para a grande parte dos profissionais, o maior desafio é como se comportar e se manter a mesma pessoa após chegar nesse patamar de sucesso.

Mike Tyson em luta contra Carl Williams em 1989. Foto: Reprodução/Instagram
Uma dificuldade ainda maior é quando o lutador alcança esse nível de reconhecimento muito jovem. Dois exemplos que sempre são usados nesse tópico são o da lenda do boxe, Mike Tyson, e do maior peso meio-pesado da história do MMA, Jon Jones. Tyson e Jones conquistaram os primeiros títulos mundiais de suas carreiras aos 19 e 23 anos, respectivamente. Ambos se envolveram em polêmicas após alcançarem o topo do esporte.
Mike Tyson era considerado um fenômeno desde a adolescência por já nocautear os boxeadores profissionais na academia. Tyson é natural de Brooklyn, Nova Iorque, nos Estados Unidos, e desde cedo se metia em confusão no bairro onde morava. Aos 13 anos, Mike já havia sido preso 38 vezes. Após a morte da sua mãe e o abandono do seu pai quando era bebê, "Iron" Mike teve o treinador de boxe Cus D'Amato como o seu guardião a partir dos 16 anos.
D'Amato foi quem mudou a vida de Tyson, o colocou no boxe e o transformou no monstro que todos conhecemos. Mesmo com a morte de Cus em 1985, Mike se profissionalizou no mesmo ano com 18 anos e ganhou o primeiro título mundial aos 19, ao derrotar Trevor Berbick. O campeão mais jovem da história dos pesos pesados, o garoto que veio de um bairro pobre no Brooklyn viu sua vida mudar rapidamente.
Tyson virou uma estrela e todas as suas lutas eram acompanhadas por milhões de pessoas. Era sempre um espetáculo. Mas ao longo desse tempo, ele perdeu o foco. No início dos anos 90, o campeão dos pesados se encontrava no meio de um divórcio com a modelo Robin Givens e demitiu seu empresário e o seu principal treinador depois de Cus D'Amato, Kevin Rooney. Todos esses problemas, somados à falta de foco e pouco treinamento, culminaram na derrota para Buster Douglas numa das maiores zebras da história dos esportes.
Após a derrota para Douglas, Tyson nunca mais foi o mesmo. Ele voltou a vencer no ringue, mas sua vida pessoal continuava de cabeça pra baixo. Ele foi preso por estupro em 1991 e condenado a seis anos de prisão em 1992. Foi solto em 1995, menos de três anos depois de ser condenado, porém novas polêmicas o esperavam do lado de fora.
Tyson entrou numa espiral para o fundo do poço. Não conseguia ter a mesma performance dos tempos áureos da carreira e ainda participava de momentos controversos, como a mordida na orelha de Holyfield na segunda luta entre os dois e todos os comentários violentos contra a família de Lennox Lewis, antes do combate em 2002.

Tyson com o seu tigre de estimação que comprou em 1992 quando estava preso. Foto: Chris Farina/Allsports
Além disso, teve a questão dos problemas financeiros que o fizeram declarar falência em 2003, com uma dívida de 23 milhões de dólares. Depois de derrotas para lutadores pouco conhecidos, Tyson se aposentou em 2005, aos 38 anos. "Iron" Mike é considerado por muitos como o lutador mais assustador da história, durante o seu auge, e é um dos maiores do esporte.
A carreira de Tyson é muito parecida com a de Jon Jones, principalmente pelas performances incríveis acompanhadas de polêmicas fora do ringue. Jones entrou no UFC em 2008, quando tinha 21 anos e se tornou campeão em março de 2011, contra o brasileiro Maurício Shogun, com apenas 23 anos de idade, o que o tornou o campeão mais jovem da história da organização.

Jones na pesagem para sua luta contra Anthony Smith no UFC 235. Foto: Esther Lin/MMA Fighting
Diferente da lenda do boxe, "Bones", apelido de Jones, cresceu numa família religiosa, na qual o seu pai é pastor e incentivou os filhos a focar nos esportes. Jon virou lutador enquanto seus irmãos, Arthur e Chandler, se tornaram jogadores de futebol americano. Os problemas de Jones começaram na faculdade, onde amigos e conhecidos disseram que ele costumava exagerar na bebida em festas.
Depois de ganhar o título, Jones continuou seu reinado ao derrotar lendas do MMA seguidamente. Ex-campeões como Rampage Jackson, Lyoto Machida, Rashad Evans e Vitor Belfort, todos falharam na tentativa de vencer o jovem campeão. Quanto mais sucesso Jon tinha, menor era o foco e menos ele treinava para as lutas.
Jones foi com tudo nas festas. O mesmo já afirmou que não treinou para sua luta contra Alexander Gustaffson, em 2013. Passou a maior parte do camp em festas. Para a luta contra Daniel Cormier, no começo de 2015, foi a mesma coisa. Três semanas antes desse combate, o campeão usou cocaína em uma das festas, algo que foi constatado em um exame liberado depois da peleja.
Além das festas, "Bones" tinha o costume de dirigir bêbado, algo que gerou problemas durante a sua carreira inteira. Em 2011, foi preso por dirigir sem carteira e fazer drift. Já no ano seguinte, ele bateu com o carro ao dirigir embriagado. O maior caso de prisão da carreira de Jones aconteceu em 2015 quando ele, alcoolizado, colidiu no carro de uma mulher grávida. Ao invés de ajudar, Jon fugiu da cena. O pior foi que ele voltou para o local do acidente, pegou dinheiro do seu carro e fugiu novamente. Ele se entregou horas depois e o UFC retirou o seu cinturão.
Jon Jones teve outros problemas além dos casos de polícia. Ele foi pego por doping duas vezes, em 2016 e 2017. O primeiro doping foi pelo uso de uma pílula de viagra contaminada e o segundo, por um suplemento. Ele serviu uma suspensão de um ano para ambos os casos. Voltou no UFC 232, no final de 2018, no qual reconquistou o título dos meio-pesados. Novamente ele testou positivo, mas dessa vez não recebeu suspensão pois afirmaram que eram resíduos do doping de 2017.
Desde seu retorno, Jones defendeu o cinturão três vezes, com sucesso, mas também continua com as polêmicas de sempre. Em abril de 2019, foi acusado de assédio por uma garçonete. Ele recebeu uma sentença de 90 dias, pela qual não poderia violar a lei ou consumir álcool, senão iria para a cadeia. Em março deste ano, foi preso por dirigir embriagado novamente.

Jones preso, após dirigir embriagado em março. Foto: Reprodução/Instagram
A semelhança nas carreiras de Tyson e Jones não são coincidência. Mostram como a fama e o dinheiro podem prejudicar a carreira de jovens atletas. Ambos não conseguiram resistir às tentações que vieram com o sucesso. Tyson foi preso e os problemas se acumularam e afetaram a suas performances. Após a carreira como boxeador, Mike teve sucesso com outros projetos, se recuperou financeiramente e até pensa em voltar a lutar, agora aos 53 anos, para conseguir dinheiro para caridade.
Até agora, Jon Jones continua como o campeão dos meio-pesados do UFC e nunca perdeu uma luta, a única derrota de sua carreira foi uma desclassificação. A torcida é para Jones não seguir o mesmo caminho de "Iron" Mike no resto de sua carreira. Às vezes, o brilhantismo, seja no ringue ou no octógono, pode ser ofuscado pelos demônios que se revelam fora dele.
Comments