A mentalidade de um lutador é algo muito interessante de se examinar. O porquê da escolha por aquela profissão, por esse sonho. Para muitos, lutadores são pessoas destemidas e até mesmo violentas o tempo todo, por isso lutam e não possuem medo de competir. É verdade que se perguntar para muitos atletas, a grande maioria dirá que não sente medo de se machucar e competir, mas alguns dirão o contrário.
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Darren Till em sua luta contra Stephen Thompson, em maio de 2018.
Foto: Zuffa LLC/Getty Images
A primeira coisa a se desmentir é que atletas de MMA são pessoas violentas no dia-a-dia. São profissionais que tiveram motivos para escolher o esporte como trabalho, como qualquer outra modalidade. Muitos, na verdade, são calmos e amigáveis fora da competição, e isso surpreende muita gente quando descobrem que são lutadores.
A questão do medo é poucas vezes comentada pelos atletas, mas um dos únicos a falar mais profundamente sobre isso é o inglês Darren Till. A história da vida de Till já é bem singular, com cara de filme. Nascido e crescido em Liverpool, ele começou a treinar muay thai aos 12 anos e se tornou profissional aos 15. Sem muito aspiração no que fazer com a vida, "The Gorilla", como é apelidado, se envolveu em muitas brigas na rua quando adolescente e no começo da vida adulta.
O comportamento de Till é bastante comum entre adolescentes e jovens ingleses, muitos se sentem sem futuro e sem estrutura familiar sólida ao redor, isso faz com que se envolvam em confusão. Em 2012, Darren entrou em uma briga numa boate e foi esfaqueado duas vezes. As facadas foram tão profundas que quase causaram a morte do, então, garoto de 19 anos.
O treinador de Till tomou uma decisão drástica após o acontecimento e disse para o garoto se mudar para o Brasil por um tempo. Para o treinador, existiam muitas distrações para o lutador em Liverpool. Sem falar nenhuma palavra de português, a previsão era que ficasse seis meses, mas permaneceu por três anos e meio.
No Brasil, mais especificamente em Florianópolis, Till começou a carreira no MMA e teve uma filha com uma brasileira. O rosto da moça está até tatuado no braço esquerdo do inglês. Invicto e um dos principais lutadores do país, Darren recebeu a oportunidade de entrar como substituto num evento no UFC em solo brasileiro, em maio de 2015.
Ao entrar no UFC em 2015, Till e seus treinadores decidiram que era hora de voltar para a Inglaterra. O inglês ficou um tempo parado entre 2015 e 2017 graças a algumas lesões e voltou a todo vapor. Após uma vitória contra Bojan Velickovic, Darren recebeu seu primeiro grande oponente: Donald Cerrone.
A luta contra Cerrone foi o que fez Till entrar no radar de todos que acompanhavam o esporte e o tornou no principal nome da Inglaterra no UFC, após a aposentadoria de Michael Bisping. A pressão sobre o inglês cresceu e depois de vencer Stephen Thompson em maio de 2018, ele recebeu a oportunidade de lutar pelo cinturão dos meio-médios contra Tyron Woodley.
Infelizmente, a chance pelo cinturão veio muito cedo na carreira. "The Gorilla" sentiu o peso do momento e perdeu por finalização no segundo round. Logo em seguida, perdeu novamente. Foi nocauteado por Jorge Masvidal, em março de 2019, na frente do público inglês em Londres. Till explica que estava muito confiante para ambas as lutas e o excesso de confiança foi o maior erro de sua parte.
Para alguém que disse que o excesso de confiança foi o maior motivo para as derrotas, Till perdeu toda depois do nocaute sofrido para Masvidal. Sem a confiança, veio o medo. Porém não era o medo de ser nocauteado novamente, mas sim, o de perder. Darren decidiu subir de categoria pois teve problemas para bater o peso dos meio-médios algumas vezes. Sua primeira luta nos médios foi contra Kelvin Gastelum no UFC 244, em novembro de 2019.
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Till vence por decisão dos juízes contra Gastelum. Foto: UFC/Reprodução
Gastelum era um oponente perigosíssimo para Till, por ser conhecido pelo seu poder de nocaute e ter acabado de lutar pelo cinturão interino da categoria. Além disso, Darren chegou em Nova Iorque um dia antes da luta. Num confronto morno, o inglês venceu por decisão dividida. Após o combate, ele deu provavelmente a entrevista mais sincera já vista no esporte.
O inglês explicou como o nocaute para Masvidal lhe fez questionar sobre a sua carreira e como ele tentou de diversas maneiras não lutar contra Gastelum. Por mais que o principal motivo do atraso para chegar em Nova Iorque fosse problemas de visto, Till disse que seu medo também ajudou. Como ele mesmo falou, "eu estava apavorado".
Till estava com medo de decepcionar e perder novamente, o que provaria que ele não era tão bom quanto pensava. O medo fez com que ele lutasse de uma maneira mais conservadora, no clinch e com um controle grande de distância, sem golpear tanto.
O inglês não foi o primeiro nome no esporte a falar abertamente do medo que sente antes de lutar. No caso de Till, foi especificamente depois de algumas derrotas, mas para Donald Cerrone, o primeiro oponente mais conhecido na carreira de Darren, é em toda luta. Cerrone já disse que vomita antes de todo o combate por causa de nervosismo e medo.
Por mais que a confiança de Till aparente estar de volta, agora que ele se prepara para enfrentar Robert Whittaker no dia 25 de julho, a sua entrevista pós-UFC 244 é um dos maiores exemplos da humanidade e vulnerabilidade que os lutadores possuem. É difícil para muitos pensar que esses super atletas não são máquinas de lutar o tempo todo.
Para ser um lutador de alto nível, é necessário mais do que só estar preparado fisicamente. O psicológico precisa estar perfeito, pois não é fácil suportar a pressão que esses atletas sofrem e lutar na frente de milhares de pessoas na arena e milhões pela televisão e internet no mundo inteiro. Para muitos lutadores, a luta começa bem antes de entrar no octógono.
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